Companhias que testaram novo modelo de jornada reduzida colhem indicadores de melhora no bem-estar dos empregados sem perda de produtividade.
Menos ansiosos, mais produtivos e com a criatividade a todo vapor. É assim que se sentem funcionários de empresas brasileiras que adotaram a semana reduzida, com quatro dias de trabalho em vez de cinco, sem redução proporcional de salário.
São companhias que seguem uma tendência que avança em vários países para aumentar o bem-estar físico e mental dos trabalhadores.
Líderes de empresas ouvidas pelo GLOBO apontaram indicadores de aumento na qualidade de vida de empregados sem perda de produtividade e demissões. Ao contrário, as primeiras avaliações indicam melhores resultados, maior retenção e atração de talentos e estímulo à inovação.
Faltam dados precisos, mas cresce no país o número de empresas nas quais a quinta é a nova sexta-feira. Ou que trocaram a melancólica segunda pela terça-feira. Há ainda modelos com pausa no meio da semana ou rodízio.
Entre os trabalhadores, com um dia livre a mais, a maioria relata mais horas ao ar livre, frequência maior de exercícios, espaço para cuidar da saúde mental e principalmente mais tempo para organizar a própria casa e dar atenção à família, deixando o fim de semana realmente para descansar.
A semana reduzida virou uma causa global da organização sem fins lucrativos 4 Day Week, que tem conduzido experimentos em vários países do mundo. Entre junho e dezembro de 2023, acontece o primeiro teste no Brasil, em parceria com a ONG brasileira Reconnect Happiness at Work.
Trezentas empresas brasileiras já se inscreveram para a primeira fase, com seminários sobre o modelo e resultados dos testes internacionais. No projeto piloto, 50 companhias de diferentes portes e setores terão os resultados avaliados após seis meses.
‘Descansado produz mais’
Mas existem empresas no país testando o regime por conta
própria e colhendo resultados positivos parecidos com os do exterior. A maioria
é de pequeno porte e da área de tecnologia, um setor de maior flexibilidade e
de grande disputa por profissionais qualificados.
É o caso da Vockan, representante da QAD no Brasil, que desenvolve programas de gerenciamento para indústrias. Em novembro do ano passado, a empresa de São Paulo adotou a semana de quatro dias para sua equipe de suporte.
Em março, uma pesquisa interna mostrou aumento do índice de percepção sobre qualidade de vida de 57% para 86% entre os cerca de cem funcionários. O nível de satisfação foi de 54% para 70%. Segundo o CEO Fabrício Oliveira, a produtividade aumentou logo nas primeiras semanas com a mesma equipe e houve queda drástica na rotatividade:
— Pergunte por qual salário os funcionários sairiam da empresa. Tem que ser uma proposta muito, muito boa. O número de currículos recebidos aumentou muito. É um modelo que deu certo. Pessoas descansadas produzem mais.
Desde março de 2022, quando a semana de quatro dias foi adotada pela empresa de inteligência de dados Phonetrack, em Curitiba, os pedidos de demissão caíram 48%.
Segundo Karoline Hasse, coordenadora de Gestão de Pessoas da companhia, em pouco mais de um ano, a produtividade ficou no mesmo patamar, mas clientes e colaboradores mostraram melhores níveis de satisfação, segundo levantamento interno.
Embora tenha mantido as 55 vagas da equipe, mesmo com um dia a menos de trabalho, o banco de horas teve uma redução de 70%. Ou seja, os funcionários mantiveram o mesmo nível de atividade fazendo menos horas extras do que quando a empresa funcionava cinco dias por semana, observa a executiva:
— Isso mostra que as pessoas não trabalharam para além dos quatro dias. Remodelamos algumas coisas para dar certo, como reuniões mais curtas. Mandamos a pauta antes para economizar tempo.
Segundo Glícia Braga, gerente de Recursos Humanos da startup financeira Efí, um dia a menos de jornada também tem funcionado para a empresa de Ouro Preto (MG), mas não é fácil.
Requer esforços em contrapartida, sobretudo no treinamento e na comunicação entre equipes para colher os benefícios sem afetar os resultados. Ela conta que, desde julho de 2022, quando o modelo começou a ser implementado na fintech, os times que somam 338 pessoas foram orientados a melhorar o gerenciamento do tempo:
— As equipes passaram a olhar para o que poderia ser otimizado porque abraçaram a ideia. Houve melhoria na produtividade, porque entregamos o mesmo que antes, agora em quatro dias.
Difícil avaliação
Um levantamento da empresa de tecnologia NovaHaus, que
adotou uma folga às quartas-feiras em maio do ano passado, estima um aumento de
13% na produtividade e um crescimento de quase 82% no número de funcionários
que praticam atividades físicas em um ano.
Mas o CEO Leandro Pires admite que é difícil mensurar o quanto o regime contribuiu para melhorar o desempenho da equipe de 60 pessoas divididas entre Franca (SP), a capital paulista e Nova York:
— O modelo demanda que avaliemos a produtividade de outra forma, porque na empresa trabalhamos com muitos processos criativos. Não é olhando as horas, mas resultados, e isso é muito subjetivo.
A gerente de arte da NovaHaus, Letice Borges, de 37 anos, diz que foi complicado tirar um dia do seu cronograma semanal, mas acabou surpresa com a capacidade de dar conta de tudo em quatro dias:
— Brincamos que temos dois “sextou”. A escolha da quarta foi por conta de alguns processos, mas quebra o cansaço, serve para tomar fôlego.
A empresa de programas educacionais de administração AAA tem semana reduzida desde janeiro de 2022 em formato flexível: os gestores definem o day off de cada equipe, dependendo das demandas específicas de cada área. Guilherme Cunha, head de Sucesso do Cliente, diz que a maior dificuldade é a adaptação:
— Pode ser complicado entender como reduzir processos que achávamos que não poderiam ser reduzidos. Em datas com fluxo de entregas muito grande, encontrar um dia para o day off é um desafio enorme, mas não impossível. Tudo valeu muito a pena no final e gerou enorme melhoria.
Para Oliveira, da Vockan, o mais difícil foi convencer as lideranças da empresa. Na área financeira, houve quem questionasse o sentido de manter o salário de alguém reduzindo em 20% sua carga horária.
Nas operacionais, o temor era de que não seria possível abrir mão de empregados por um dia e manter o nível dos serviços. A solução foi um rodízio, explica o executivo:
— Tivemos que adotar escalas para que os clientes não ficassem desassistidos. Mudamos o modelo de trabalho.
Por Ana Flávia Pilar — Rio - O GLOBO
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