O relatório “Violência contra povos indígenas no Brasil”, divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em julho de 2024, aponta que 208 indígenas foram assassinados em 2023, um aumento de 15,5% em comparação com 2022, quando 180 assassinatos foram registrados. O número de suicídios aumentou 56%. No total, os casos de “violência contra a pessoa” – que abrange assassinatos, homicídios culposos, abuso de poder, ameaças, lesões corporais, racismo, tentativa de assassinato e violência sexual contra povos originários – recuaram, mas os números não refletem promessas do atual governo.
Um dos principais conflitos enfrentados pelos povos indígenas nos últimos anos é o Marco Temporal, segundo o qual apenas as terras que eram ocupadas até 5 de outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição Federal – podem ser reivindicadas pelos povos originários. O Supremo Tribunal Federal havia julgado a tese como inconstitucional em setembro de 2023, mas, dias depois, o Senado aprovou a lei do Marco Temporal. O Presidente Lula vetou, mas o veto foi revogado pelo Congresso.
As tragédias climáticas recentes no Brasil, como as grandes enchentes que inundaram novamente o Rio Grande do Sul em maio de 2024, mostram que o país não está adotando as políticas públicas necessárias para garantir a proteção ambiental. Essas políticas exigem visão de longo prazo. Mas o mercado e os governos têm geralmente visões de curto prazo, o primeiro visando a lucro, os segundos visando às eleições.
Para evitar essas catástrofes climáticas que tendem a aumentar, é necessário zerar desmatamentos, degradação florestal e incêndios da vegetação em todos os biomas, e estabelecer uma política de transição energética para superar o uso de combustíveis fósseis em favor de energia renovável. Ondas de calor, inundações, secas e incêndios atingiram, por vezes simultaneamente, todos os continentes em 2024. Efeito direto do aquecimento global causado pelo homem, acentuado pelo fenômeno El Niño, o meio ambiente arde, sufoca, seca ou morre. Durante semanas, senão meses, os desastres climáticos têm ocorrido um após o outro, atingindo todos os países, às vezes ao mesmo tempo.
Hoje, lançamos carbono na atmosfera a um ritmo 100 vezes mais rápido do que em qualquer época anterior ao início da industrialização. Metade do carbono lançado na atmosfera devido à queima de combustíveis fósseis foi emitido apenas nas últimas três décadas. Mantendo o atual padrão de emissões, chegaremos a mais de 4ºC de aquecimento até o ano 2100. Isso significa que muitas regiões do mundo ficariam inabitáveis devido ao calor direto, à desertificação e às inundações.
Pelas projeções das Nações Unidas, teremos 200 milhões de refugiados do clima até 2050. Outras estimativas são ainda mais pessimistas: 1 bilhão de pobres vulneráveis sem condições de sobrevivência. Os desastres climáticos levaram ao deslocamento de mais de 43 milhões de crianças em seis anos.
A atual era geológica está sendo chamada Antropoceno, pois é a ação humana que provoca a redução drástica da capacidade natural de o planeta absorver o carbono e transformá-lo em oxigênio, o que implica temperaturas mais elevadas, mais incêndios florestais, menos árvores, mais carbono na atmosfera, um planeta mais quente.
É claro que os pobres são mais vulneráveis e vão sofrer mais do que os ricos. Trata-se de um problema de justiça ambiental ou, em outras palavras, de apartheid ambiental. Os países com menor PIB serão os mais quentes. Desastres naturais e eventos climáticos extremos constituem hoje os maiores riscos para a vida humana. Os cinco principais riscos a longo prazo são os seguintes: falha em mitigar as mudanças climáticas, falha em se adaptar às mudanças climáticas, desastres naturais e eventos climáticos extremos, perda da biodiversidade e destruição do ecossistema e crises de imigração em massa de refugiados.
O mundo, no atual estado de coisas, está sendo catapultado para uma nova fase ecológica – menos propícia à manutenção da diversidade biológica e de uma civilização humana estável. As condições de existência de milhões ou talvez bilhões de pessoas serão destruídas e a própria base da vida como a conhecemos hoje ficará sob ameaça. pondo em risco a vida das populações mais vulneráveis do planeta. Temos de reconhecer que é a lógica de nosso modo de produção – o capitalismo – que impede a criação de um mundo de desenvolvimento humano sustentável que transcenda o desastre que aguarda a humanidade. Para nos salvar, devemos criar uma lógica socioeconômica diferente, que aponte para outro modelo de civilização baseado no projeto de uma revolução ecossocialista.
A civilização do combustível fóssil ameaça a sobrevivência humana no planeta. Produz calor letal, fome pela redução e encarecimento da produção agrícola, destruição das florestas por incêndios, esgotamento da água potável, morte dos oceanos, tufões, inundações, ar irrespirável, pragas, secas, colapso econômico, conflitos climáticos, guerras, crise de refugiados. As fontes de energia renováveis tornaram-se competitivas, mas as forças econômicas do mercado e os governos por elas controlados sabotam a transformação da energia fóssil poluidora em energia renovável que, entretanto, vem crescendo consideravelmente. Os combustíveis fósseis – petróleo, gás e carvão – deverão constituir ainda três quartos da matriz energética mundial em 2040.
Por outro lado, o conceito de crescimento econômico baseado na destruição de recursos naturais vem sendo questionado em toda parte por movimentos ambientalistas, com fundamento em novos conceitos como, entre outros, o Ecossocialismo e o Decrescimento. O homem é o único animal que destrói seu habitat, o que coloca em questão sua racionalidade de homo sapiens. Tudo em função da produção econômica baseada na busca do lucro máximo. Trata-se de uma crise de civilização. O estilo de vida que herdamos da sociedade industrial está ameaçado. O futuro será baseado em energias renováveis ou não haverá futuro.
Mas a mudança para uma economia global com base na transição energética levará a conflitos, com implicações geopolíticas por afetar as fontes do poder nacional, o processo de globalização, as relações entre as grandes potências e entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
De qualquer forma, a transição energética, por si só, tampouco será suficiente. A ameaça da crise ecológica, motivada pela destruição da biodiversidade e pelo aquecimento global causado pelas mudanças climáticas, aponta para uma verdadeira crise de civilização, para a necessidade de um novo modo de vida e de produção, ou seja, de uma profunda transformação ecológica para garantir a sobrevivência da humanidade no planeta.
Liszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92.
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